Doutor chocolate

Doutor chocolate

Para a maioria das pessoas, o chocolate é irresistível pelo sabor, pela textura e pelas sensações que causa. Para o químico brasileiro Josélio Vieira, esse alimento é fascinante por um motivo a mais: os mistérios físico-químicos. Ele trabalha no Centro de Tecnologia de Chocolate da Nestlé, na Inglaterra, e tem entre suas tarefas diárias degustar várias amostras do produto. Recentemente, Josélio publicou uma pesquisa que explicava por que os chocolates ficam esbranquiçados – um problema que causa grande prejuízo à indústria. Nesta entrevista, ele conta um pouco mais de seu trabalho e revela qual é o seu chocolate favorito!

CHC: Para muitos, o senhor tem o melhor emprego do mundo. O senhor come chocolate todos os dias?
Josélio Vieira: Além de ser o melhor emprego do mundo, trabalhar com chocolate é fascinante do ponto de vista científico. As tecnologias estão cada vez mais sofisticadas! Não digo que como chocolates todos os dias, mas muitas das reuniões envolvem degustar várias amostras. Na pesquisa de chocolate, uma lei fundamental diz que a ciência pode ser brilhante ou a tecnologia sofisticada, mas o chocolate, no final, tem que se manter delicioso.
Como é seu dia a dia?
Sou responsável pela busca de novas tecnologias e por fornecer direcionamento e conselhos técnicos a projetos de desenvolvimento de produtos. Meu dia a dia é repleto de reuniões com técnicos internos e externos. O segredo de estar à frente da concorrência está na combinação de inovação tecnológica e sua industrialização rápida.
Em que tema o senhor trabalha neste momento?
Umas das áreas de pesquisa em que atuo é o desenvolvimento de processos mais sustentáveis. A fabricação de chocolate é essencialmente a mesma há mais de 130 anos. Portanto, há uma necessidade grande de processos mais eficientes e que consumam menos energia e água.

Vindo da América Central, o chocolate chegou à Europa há cerca de cinco séculos. Até hoje há questões que os cientistas não sabem explicar?
A ciência do chocolate é bem complexa, e vários fenômenos químicos e físicos ainda não estão bem explicados ou entendidos. Por exemplo, o fato de o chocolate desenvolver manchas brancas depois de exposto ao calor. Muitos consumidores pensam que é mofo, o que não é verdade. Trata-se de uma fração da gordura de cacau que migra para a superfície e aí se recristaliza. Portanto, não há perigo à saúde se ingerido.
Como o consumidor pode evitar que o chocolate fique esbranquiçado?
A melhor maneira de fazer isso é guardar o chocolate em um lugar fresco e na sombra. Caso o chocolate tenha sido exposto ao calor e tenha ficado mole, não o colocar na geladeira, pois isso vai acelerar o esbranquiçamento. O melhor é deixá-lo resfriar naturalmente, em um lugar fresco.
Onde estão plantados os melhores cacaus do mundo?
Os maiores produtores de cacau são os países do oeste africano, como Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões, que representam 70% da produção mundial de cacau – o Brasil produz 4%.

Diz-se que o chocolate branco não tem cacau e é mais doce. É verdade?
O chocolate branco contém derivados de cacau, especificamente a manteiga de cacau. Apesar de geralmente conter o mesmo teor de açúcar que o chocolate ao leite, o chocolate branco pode parecer mais doce, pois faltam certos componentes aromáticos do cacau – presentes no licor ou no pó de cacau – que mascaram a sensação doce.

Por que é difícil encontrar alguém que não goste de chocolate? Isso tem a ver com a ação do chocolate sobre a química do cérebro?
Para mim, o grande apelo do chocolate vem do fato de ele ser um produto de contrastes sensoriais, bem como um forte símbolo emotivo e nostálgico – por exemplo, faz-nos lembrar da infância. O apelo sensorial do chocolate vem do equilíbrio de contrastes de sabores, como doce, amargo e lácteo, bem como da diversidade de seus aromas e de sua textura única.

As preferências do consumidor variam de país para país?
Sim. O chocolate ao leite no Brasil tem um sabor diferente do norte-americano, que tende a ser mais azedo; ou do suíço, que tende a ter um sabor mais amanteigado; ou do britânico, que é mais caramelizado. Os fatores emocionais e nostálgico contribuem também significativamente para o apelo do chocolate.

Há alguma tendência atual para os chocolates? Mais doces, mais amargos, aerados, recheados etc.?
Não só os consumidores de chocolate estão aumentando, como também os já existentes estão mais sofisticados, buscando novas experiências sensoriais e produtos mais saudáveis e que possam se integrar a uma alimentação balanceada. Com isso, a indústria de chocolate está se expandindo, renovando seus produtos e devolvendo novos. Para os consumidores que buscam produtos mais saudáveis, o chocolate meio amargo – por ter maior teor de cacau e menos açúcar – tem se tornado preferência.

Qual seu tipo de chocolate preferido?
Quando se trabalha com chocolate, é difícil, ao comer um deles, não deixar o senso analítico e crítico tomar conta. Na maioria das vezes que como um chocolate, acabo buscando o que é novo no produto, seja um contraste sensorial, seja o que há de inédito em termos de tecnologia. Mas, sim, tenho uma preferência: a combinação do sabor do chocolate com o da avelã. Para mim, eles se complementam muito bem.

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